terça-feira, 1 de março de 2011

Era uma vez uma coisa qualquer


(conferência)

Era uma vez uma história, um conto, uma ideia, um lugar uma coisa qualquer.
Este tem sido o referente escolhido já algum tempo para celebrar a divina comédia da criação.
Comédia, drama, as bestas, o feio e o belo. São tantas as coisas que poderão encontrar nas minhas pinturas e nos meus desenhos. A instalação é um apêndice natural, uma forma de dar vida a uma objecto bidimênsional que não pretende só estar preso numa parede mas também fazer parte dela e acima de tudo, fazer parte de um receptor que com a obra entra em contacto.

Obra ou objecto, é para cada um de nós um entendimento pessoal/subjectivo, certo que para mim são horas de vida, não querendo referir ao factor tempo despendido, mas sobretudo referindo a entrega e absorção, balizada por um sentido físico e neurológico, onde desperta os impulsos da imaginação e sobretudo uma certa característica permanente de desenhar histórias.

“Existem segredos na fronteira entre a realidade e a fantasia”

A fantasia é o reino intermediário que se inseriu entre a vida segundo o princípio de prazer e a vida segundo o princípio de realidade.
Sigmund Freud

Todos temos segredos, truques e artimanhas, características definidas pela infância de cada uma de nós. A infância, tantas vezes esquecida pelo factor de já se ser adulto mas, lá no fundo, existem aqueles momentos do passado que jamais esqueceremos. Quem não se lembra da Pantera cor de Rosa, Lucky Luke, Calimero …... Sempre imagens desenhadas, no cinema ou nas bd's, um verdadeiro rasto de figurações e ilustrações que sempre nos acompanha. Com o meu trabalho elas também existem, talvez de forma mais forte ou até, um tanto agressiva. Mas, quem não gosta do Burlesco em forma de paródia e esta, faz parte da nossa vida (a paródia).

Voltando ainda á definição de fantasia: O que é uma fantasia? É um pequeno romance de bolso ou uma imagem, que levamos fisicamente ou mentalmente connosco e que podemos abrir ou lembrar em qualquer lugar. Uma fábula interior tornando-se omnipresente no nosso espírito e, sem nos darmos conta, interferir entre nós e nossa realidade imediata.

Temos fantasias porque temos desejos que nos agitam no intimo mais profundo de nós. Estes podem ser considerados como desejos sensuais, onírico, materiais, por serem considerados fantasias a realidade não é levada em consideração, mas porque não?
A fantasia é isto - um teatro mental catártico que encena a satisfação do desejo e descarrega sua tensão. Uma fantasia é a encenação no psiquismo da satisfação de um desejo imperioso que não pode ser saciado na realidade. Observe-se porém que a fantasia pode, ao contrário, desempenhar o papel de estimulador do desejo, reavivá-lo e aumentar o seu interesse.
O teatro da fantasia é representado no silêncio do inconsciente mesmo que às vezes nasça no dia claro da consciência.

Comédia/riso
Talvez preenchido por um imaginário ideologicamente fundado pelos mestres dos sonhos e da bestaria (Bosh, Bruegel, Goya, entre outros) faço de ideias pré-definidas pelas pinturas ou gravuras dos mesmos, e desse imaginário usurpo da mesma ideologia recreando uma muito própria.
Talvez nesta exposição, as pinturas aqui apresentadas, as bestas não são tão definidas ou mesmo hilariantes como em outras obras por mim realizadas, onde esses seres são povoados de intensa presença .
Por outro lado onde antes as bestas tinham cara de crianças, agora os homens ou as mulheres roçam os seres mais horríveis e temerosos, mas que ao mesmo tempo são cómicos e irónicos.
No passado (um passado muito mais remoto do que o nosso) a plebe era protagonista da mais grotesca paródia, nos carnavais e outras manifestação onde o profano misturava-se com a fé e todos os seus temores. A representação que podemos ver no quadro que mais vezes vi no Museu de Arte Antiga em Lisboa, falo das Tentações de Santo Antão de Bosch, o qual recomendo para quem não conhece e sobretudo para quem aprecia este imaginário.
Representações grotescas corporais, utilização de máscaras paródias de coisas sagradas chegando a ser blasfemas. Esqueciam-se as hierarquias, elevava-se uma nova ordem social, onde o poder era superado pelo medo da morte e do diabo representado pelas máscaras burlescas.
O nosso tempo é sem dúvida outro, a Idade Média e o poder de Deus foi sobrepostos por outros temores, talvez o temor de um tal FMI, que nos faz reviver os momentos de apertar um cinto e uma outra asfixia social.
Por isto, e resumindo em forma de memória descritiva, divido a minha proposta de exposição em duas partes. Por um lado uma caixa de sonhos, uma entrada num certo quarto repleto de desenhos, repleto de personagens que foram criadas perante um momento, um motivo ou até mesmo um lugar. Elevam se figuras engarrafadas pela noite negra onde o monstro é peludo e onde escutamos os demónios existentes dentro de nós.
Por outro lado a pintura. O Carnaval, a paródia, o claro e o escuro, as sombras. O Pinóquio protagonizado em forma de máscara imposta como modelo. O feio vai a caminho de assumir os traços realistas onde os doces dão brilho ao desejo e ao pecado.

Termino com uma citação de Oscar Wilde :”A beleza imaginativa da crítica permite que todas as interpretações sejam certas e que nenhuma seja definitiva.”

Agradeço a vossa presença e sobretudo agradeço a todos aqueles que me fazem acreditar ainda mais naquilo que faço.
Muito Obrigado!